A esteatose hepática, anteriormente denominada Doença Hepática Gordurosa Não Alcoólica (NAFLD), representa hoje a principal causa de doença hepática crônica no mundo. Esta condição, entendida como a manifestação hepática da síndrome metabólica, reflete diretamente o crescimento global da obesidade, do diabetes tipo 2 e de outras disfunções metabólicas.
Dentro desse espectro, o termo Esteato-hepatite Não Alcoólica (NASH) foi historicamente adotado para descrever a forma mais avançada da doença — caracterizada por inflamação hepática, lesão hepatocelular e risco elevado de progressão para fibrose, cirrose e carcinoma hepatocelular.
No entanto, avanços no entendimento da fisiopatologia da doença, somados à necessidade de uma abordagem mais precisa, inclusiva e livre de estigmas, motivaram uma ampla revisão dos critérios diagnósticos e da nomenclatura. Esse processo foi conduzido por um consenso internacional liderado pelas principais sociedades hepatológicas — AASLD, EASL e ALEH —, reunindo especialistas de 56 países, além de representantes de sociedades médicas, órgãos regulatórios e associações de pacientes.
O resultado desse consenso é a adoção da nova terminologia: MASH (Metabolic dysfunction–Associated Steatohepatitis), inserida no espectro de MASLD (Metabolic dysfunction–Associated Steatotic Liver Disease). Essa mudança reflete não apenas uma atualização semântica, mas um realinhamento conceitual, centrado nos mecanismos fisiopatológicos da doença.
Por que a mudança era necessária?
A nomenclatura anterior, baseada em termos como “não alcoólica” e “gordurosa”, apresentava limitações relevantes. Além de ser construída por exclusão — exigindo descartar o consumo significativo de álcool e outras causas de doença hepática —, ela não refletia adequadamente os determinantes biológicos da condição.
Mais do que uma imprecisão científica, esses termos carregavam um peso estigmatizante para os pacientes. Estudos demonstraram que a expressão “gordurosa” e a referência ao álcool, mesmo em contexto de negação, geravam desconforto e prejudicavam tanto a comunicação médico-paciente quanto a adesão aos cuidados.
Além disso, a definição excludente desconsiderava a sobreposição entre disfunções metabólicas e outras etiologias hepáticas, como o consumo moderado de álcool — uma realidade clínica frequentemente observada.
Diante desse cenário, o novo modelo propõe uma definição afirmativa, centrada na disfunção metabólica como eixo fundamental da doença hepática associada à esteatose.
Critérios Diagnósticos: uma abordagem centrada na fisiopatologia
No modelo atual, o diagnóstico de MASLD se estabelece pela presença de esteatose hepática, associada a pelo menos um dos seguintes critérios de risco cardiometabólico:
- Obesidade (definida por IMC elevado ou aumento da circunferência abdominal);
- Diabetes mellitus tipo 2 ou pré-diabetes;
- Hipertensão arterial sistêmica;
- Dislipidemia (triglicerídeos elevados ou colesterol HDL reduzido);
- Outros marcadores de resistência insulínica.
A partir desse enquadramento, a evolução da esteatose para um quadro inflamatório, com lesão hepatocelular e risco de progressão para fibrose, define o diagnóstico de MASH. A manutenção do termo steatohepatitis é fundamental do ponto de vista científico, pois garante a continuidade dos critérios histológicos utilizados até então — presença de esteatose, inflamação lobular e degeneração hepatocelular (ballooning). Isso permite não apenas a preservação da comparabilidade com estudos e registros anteriores, como também assegura a consistência no desenvolvimento e validação de biomarcadores e terapias.
Implicações clínicas e científicas da nova nomenclatura
A adoção de MASLD e MASH traz benefícios diretos para a prática clínica e para a pesquisa. Sob o ponto de vista clínico, o modelo afirmativo permite maior alinhamento com as abordagens já adotadas em outras especialidades, como endocrinologia e cardiologia, onde a síndrome metabólica é um eixo central de cuidado.
Além de reduzir o estigma associado aos termos anteriores, a nova nomenclatura melhora a comunicação entre profissionais de saúde e pacientes e facilita o rastreamento precoce dos indivíduos em risco, promovendo uma abordagem integrada e multidisciplinar.
No campo científico, essa atualização fortalece a estratificação de risco, aprimora os critérios de inclusão em ensaios clínicos e orienta o desenvolvimento de terapias mais direcionadas, alinhadas à fisiopatologia da doença.
Considerações finais
A transição de NAFLD para MASLD e de NASH para MASH representa muito mais que uma simples atualização de nomenclatura. Trata-se de uma mudança paradigmática que reflete o entendimento contemporâneo da doença hepática associada à esteatose — uma condição de natureza metabólica, sistêmica e com alto impacto na saúde pública global.
Ao adotar critérios diagnósticos afirmativos, centrados na disfunção metabólica, o novo modelo não apenas aprimora a acurácia clínica, mas também contribui para reduzir barreiras no cuidado, aumentar a efetividade das intervenções e estimular uma prática médica mais precisa, ética e centrada no paciente.
Referência: Rinella ME et al. Hepatology. 2023;77:1797–1835
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