Modificação do Estilo de Vida em MASLD/MASH: Fatos e Evidências

Este conteúdo foi traduzido e desenvolvido com base no artigo “Lifestyle modification in NAFLD/NASH: Facts and figures”, publicado em novembro de 2019 por Kate Hallsworth e Leon A. Adams no periódico JHEP Reports (Vol. 1, nº 6, pp. 468–479). Importante destacar que o artigo foi publicado antes da oficialização da nova nomenclatura MASLD/MASH, por isso pode utilizar os termos NAFLD (doença hepática gordurosa não alcoólica) e NASH (esteato-hepatite não alcoólica). No entanto, as condutas clínicas, orientações de triagem e princípios de acompanhamento descritos seguem plenamente aplicáveis ao cenário atual da prática médica.
A doença hepática estatoica associada à disfunção metabólica (MASLD) e sua forma mais avançada, a esteato-hepatite associada à disfunção metabólica (MASH), representam atualmente um dos maiores desafios globais de saúde pública. Com prevalência crescente e associação direta a fatores como obesidade, resistência à insulina, sedentarismo e dietas de baixa qualidade nutricional, essa condição exige estratégias terapêuticas que atuem na raiz do problema. Entre elas, a modificação do estilo de vida permanece como a intervenção mais efetiva e com maior nível de evidência para controle e possível regressão da doença.
O artigo de Hallsworth e Adams reúne dados robustos de ensaios clínicos e estudos de coorte que demonstram de forma consistente o impacto positivo de mudanças comportamentais, especialmente no que diz respeito à alimentação e à prática de atividade física. Evidências apontam que uma perda de peso corporal de 5% já é capaz de reduzir significativamente a gordura hepática. Metas acima de 10% estão associadas à melhora histológica e, em muitos casos, à regressão completa da inflamação hepática característica da MASH. Esse efeito se traduz tanto na redução do conteúdo de triglicerídeos no fígado, avaliado por ressonância magnética, quanto na melhora de parâmetros histológicos como esteatose, inflamação lobular e balonização hepatocitária, refletidos no NAFLD Activity Score — hoje adaptado para contextos clínicos com as nomenclaturas atuais.
As intervenções mais eficazes descritas são aquelas que combinam dieta e exercício físico, especialmente quando o acompanhamento é supervisionado. Programas que incluem consultas regulares com nutricionistas, treinadores físicos ou equipes multidisciplinares demonstraram maior taxa de adesão, maior perda de peso e maior redução de gordura visceral e hepática quando comparados a abordagens sem supervisão. Além disso, a associação entre alimentação equilibrada — com destaque para padrões como a dieta mediterrânea, rica em frutas, vegetais, fibras, azeite de oliva e proteínas magras — e exercícios regulares promove não apenas benefícios hepáticos, mas também melhora de marcadores cardiometabólicos e da aptidão cardiorrespiratória.
Outro aspecto relevante é a persistência dos benefícios. Estudos citados no artigo mostram que os efeitos positivos na composição corporal, na gordura hepática e nos parâmetros metabólicos podem se manter por até cinco anos após intervenções relativamente curtas, de 6 a 12 meses, desde que haja manutenção parcial das mudanças adquiridas. No entanto, manter essas mudanças no longo prazo continua sendo um dos principais desafios. A adesão tende a cair com o tempo, e parte do peso perdido frequentemente é recuperada, evidenciando a necessidade de estratégias de apoio contínuo, como programas de acompanhamento, grupos de suporte e técnicas de motivação baseadas em terapia cognitivo-comportamental.
Do ponto de vista clínico, os autores reforçam que a modificação do estilo de vida não deve ser vista apenas como uma recomendação inicial, mas sim como o pilar central do manejo da MASLD/MASH, independentemente da presença de terapias farmacológicas. O envolvimento do paciente, a adaptação das orientações ao seu contexto cultural, social e econômico, e o suporte regular de profissionais de saúde são elementos fundamentais para o sucesso do tratamento. O impacto dessas medidas vai além da saúde hepática, repercutindo positivamente na qualidade de vida, na capacidade funcional e na redução do risco cardiovascular, que é uma das principais causas de mortalidade nesses pacientes.
Em síntese, o trabalho de Hallsworth e Adams consolida a evidência de que mudanças estruturadas no estilo de vida — especialmente quando combinadas, personalizadas e sustentadas — têm potencial não apenas para interromper a progressão da MASLD/MASH, mas também para reverter alterações já instaladas. A mensagem central é clara: mesmo diante dos avanços farmacológicos esperados para os próximos anos, a base do tratamento continuará sendo o cuidado integrado e centrado no paciente, com foco na alimentação saudável, na prática regular de atividade física e no suporte contínuo para manutenção dessas mudanças ao longo da vida.