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Exercise in cirrhosis: Translating evidence and experience to practice


Artigo Comentado: Exercise in cirrhosis: Translating evidence and experience to practice. Tandon P, Ismond KP, Riess K, Duarte-Rojo A, Al-Judaibi B, Michael Andrew Dunn MA, Holman J, Howes N, Haykowsky MJF, Josbeno DA, McNeely M. Journal of Hepatolgy, 2018, in press. Doi: 10.1016/j.jhep.2018.06.017

Dra. Rosamar Eulira Fontes Rezende
Hepatologista pela Sociedade Brasileira de Hepatologia
Residência Médica em Gastroenterologia e Doutorado - FMRP-USP
Pós Doutorado - FMUSP
Médica Assistente da Divisão de Gastroenterologia do HC-FMRP-USP
Médica Responsável do Ambulatório de Hepatites Virais – Centro de Referência em Especialidades de Ribeirão Preto.

 


Os pacientes com cirrose hepática frequentemente apresentam desnutrição proteico-calórica e diminuição da atividade física (1). Essas condições geralmente levam à sarcopenia, que é caracterizada pela perda da massa muscular esquelética, da força e da função muscular (2,3). Estudos recentes demonstraram que a desnutrição proteico- calórica associado à sarcopenia são importantes preditores de morbidade e mortalidade nos pacientes com cirrose, com impacto negativo no pós operatório de transplante (TX) hepático, levando a permanência prolongada na unidade de terapia intensiva, maior tempo de intubação e maior risco de complicações pulmonares e de sepse (4, 5).


Os benefícios da atividade física aeróbica ou de resistência estão bem estabelecidos na doença hepática gordurosa não alcoólica, como melhora do perfil glicêmico, lipídico, inclusive melhora da histologia hepática, como da esteatose e da fibrose hepática, quando associado à perda de 5% e 10% do peso corporal, respectivamente (6,7,8,9). Rezende R. et al. demonstraram em mulheres com doença hepática gordurosa não alcoólica, pós menopausa, submetidas a um programa de treinamento supervisionado aeróbico de moderada intensidade, de 120 minutos/semana, durante 24 semanas, melhora do VO2 máximo, o que poderia estar associado à diminuição do risco cardiovascular nessa população (10).


A capacidade aeróbica pode ser avaliada pelo consumo máximo de oxigênio no pico do exercício (VO2max ou pico) e pelo teste de caminhada de 6 minutos (TC6min). Ambos parâmetros encontram-se diminuídos em cirróticos e associam-se inversamente com a gravidade da doença hepática e com a maior mortalidade no pré e pós TX hepático. O condicionamento físico com exercícios regulares, tem se mostrado eficiente para melhora da performance cardiorrespiratória, da sarcopenia, bem como da qualidade de vida e da sobrevida dos pacientes com cirrose e no pós TX hepático (11).


Entretanto, o reconhecimento de sarcopenia, bem como a indicação de atividade física, em pacientes com cirrose hepática, de diversas etiologias, ainda são assuntos pouco abordados na prática diária do hepatologista. O artigo de revisão Exercise in cirrhosis: Translating evidence and experience to practice, de Tandon P. et al., in press no Journal of Hepatology 2018, fornece informações sobre nutrição e dicas práticas de exercícios, baseadas nas diretrizes do Colégio Americano de Medicina Esportiva (ACSM) e da experiência própria dos autores, obtida pelo grupo multidisciplinar de seis centros norte-americanos.


O artigo em foco mostra que são poucos os estudos publicados sobre atividade física em cirróticos, geralmente baseados em treinamento físico aeróbico supervisionado, variando de 8-16 semanas, demonstrando vários benefícios para esta população, como melhora do VO2 pico, da resistência aeróbica, da massa e força muscular, da fadiga, da qualidade de vida e inclusive reduções no gradiente de pressão venosa hepática (HVPG); o que poderia ser decorrente exclusivamente do exercício ou da perda de peso e diminuição concomitante na esteatose e resistência hepática, podendo o exercício ser um fator promissor em reduzir o risco de descompensação da cirrose.


Tandon P. et al. orientam que três etapas devem ser avaliadas antes de indicar atividade física para o cirrótico: 1) triagem para minimizar eventos adversos relacionados ao exercício, 2) avaliação da capacidade física basal ou de referência e 3) programação do exercício e monitoramento subsequente. Na avaliação inicial é importante verificar a presença de varizes, se de alto risco para sangramento ou hemorragia digestiva alta prévia, indicar profilaxia primária ou secundária, adequar tratamento se houver ascite e encefalopatia hepática, corrigir anemia, e a trombocitopenia não é uma contraindicação para exercícios, mas atividades de alto risco de trauma e queda devem ser evitadas quando plaquetas < 20.000 / µl. Sobre avaliação cardiorrespiratória, devido alta prevalência de fatores de riscos cardiovasculares na população e sua baixa correlação com eventos, para indivíduos assintomáticos, sem história de doença cardiovascular, diabetes ou doença renal, a ACSM não tem exigido autorização médica para iniciar atividade física, sendo importante que a mesma seja introduzida numa intensidade de leve a moderada, e a progressão seja de acordo com o condicionamento físico. Outro ponto importante, que deve ser sempre investigado, são os fatores de riscos para quedas, para melhor adequação da atividade física.


Sobre a avaliação da capacidade física basal, o artigo em questão propõe uma série de testes, desde testes de simples execução, como mais complexos, como o teste cardiopulmonar de exercício ou ergoespirometria, que necessita de equipamentos, profissionais treinados e requer maior tempo para execução, em torno de 30 minutos. A ergoespirometria fornece vários parâmetros, como VO2máx, limiar anaeróbico, ponto de compensação respiratória, sendo importante para definir de forma objetiva a programação da intensidade do exercício e também para seguimento da melhora do condicionamento físico e de variáveis, como por exemplo, da VO2max que se correlaciona com a sobrevida (12).
Outro ponto importante, que deve ser pesquisado antes de iniciar a atividade física, citado pelos autores do artigo comentado, é avaliar a composição corporal, o que será importante para diagnóstico e seguimento de sarcopenia secundária à cirrose (a sarcopenia primária relaciona-se com o avanço da idade), e também para obesidade sarcopênica, caracterizada pela diminuição da massa muscular associado ao ganho de gordura, que pode ser observado na doença hepática gordurosa não alcoólica. A determinação da massa muscular pode ser estimada pela análise da bioimpedância, pela densitometria de composição corporal ou DEXA (absorciometria de raio X de dupla energia), pela tomografia computadorizada ou ressonância magnética, através da medida da área dos músculos psoas, medido no nível da vértebra L3 (3,13, 14). Outros parâmetros que devem ser pesquisados para diagnóstico de sarcopenia é a medida da força de preensão palmar pelo dinamômetro e a função muscular através de testes, tais como o da velocidade de marcha e o teste de levantar da cadeira, andar e sentar (get up and go test) (13,14).


O estado nutricional é de grande impacto para o desempenho adequado da atividade física. Tandon P. et al. referem que os pacientes cirróticos idealmente deveriam fazer seguimento com nutricionista, para receber dietas adequadas, de 20-40kcal/kg/dia contendo 1,2-1,5g/kg/dia de proteínas, obter orientações sobre fracionamento da alimentação a cada 3 a 4 horas, da necessidade de lanche noturno e de evitar grandes períodos de jejum, visto que os cirróticos apresentam menor capacidade de armazenamento de glicogênio, e que o jejum prolongado, promove maior consumo de massa muscular. Estudos recentes tem demonstrado que a suplementação de aminoácidos de cadeia ramificada (BCAA) pode trazer benefício na melhora da massa muscular, incluindo melhora da encefalopatia hepática, entretanto são de custos elevados, e de sabor muitas vezes não atrativo (1, 13, 14, 15). O Guideline do EASL de nutrição na doença hepática crônica, recentemente publicado, além da suplementação de BCAA, orienta também a reposição oral de vitamina D, quando níveis <20ng/ml, com objetivo de atingir níveis séricos de 25 (OH) vitamina D > 30ng/ml (15).
Tandon P. et al, relatam a importância de avaliar a parte cognitiva, psicológica. É necessário identificar e tratar problemas mentais, depressão e ansiedade. Os pacientes devem receber orientações de motivação para deixarem o sedentarismo e iniciar a prática de atividade física. Esse é um tópico pouco abordado nos estudos sobre atividade física nos cirróticos, e de extrema importância. A maioria dos pacientes com cirrose são sedentários, 40 a 70% apresentam sarcopenia, e muitas vezes outras complicações associadas à hepatopatia, que podem dificultar a realização de atividade física. Tandon P. et al. fornecem questionários úteis para estimular o início da prática de exercícios, que podem ser utilizados pelo psicólogo ou pelo hepatologista.


Sobre os programas de treinamentos, de uma maneira geral, inclui 5 a 10 minutos de aquecimentos, 20 a 40 minutos de exercícios aeróbicos ou resistência e 5 a 10 minutos de relaxamento/alongamento, idealmente acompanhado por um educador físico (8,10). Tandon P. et al, fornecem de forma prática e didática, materiais suplementares, como vídeos e materiais para download (www.wellnesstoolbox.ca) de diferentes protocolos de atividades físicas, incluindo exercícios que podem ser desenvolvidos em casa, além de incentivar atividades simples, que podem ser desenvolvidas no dia-a-dia, como usar escadas ao invés de elevador, lavar pratos em vez de colocá-los na lava-louças, estacionar mais longe de onde deseja ir, entre outras.
Por fim, dentro de abordagens futuras, são mencionadas pelos autores do estudo em foco, dados de resultados experimentais promissores com a folistatina (antagonista de miostatina) promovendo aumento da massa magra; de reposição de testosterona e expectativas em relação a microbiota, através de estratégias de modificações do microbioma para melhorar a massa muscular esquelética.
Sobre a reposição de testosterona em cirróticos, existem poucos dados na literatura. Sinclair et al. demonstraram em um ensaio clínico randomizado, controlado, de 12 meses, que reposição de testosterona intramuscular, em cirróticos do sexo masculino, com níveis séricos baixos de testosterona, foi associado com aumento significativo da massa magra, entretanto sem benefício na sobrevida (16). A proposta de reposição de testosterona em níveis fisiológicos é interessante, entretanto é necessário aguardar mais estudos de reposição hormonal com seguimento a longo prazo, para melhor avaliação desta terapia em termos de benefícios e segurança em pacientes com cirrose.


Em resumo, é importante ter atenção ao estado nutricional do paciente com doença hepática crônica e a atividade física deve fazer parte do arsenal de tratamento de pacientes com cirrose, de forma supervisionada pelo educador físico ou através de orientações prévias para execução domiciliar, prevenindo ou tratando, desta forma a sarcopenia, o que resultará na melhora da qualidade de vida e da sobrevida dessa população, incluindo melhores resultados no pós transplante hepático.

1- Toshikuni N, Arisawa T, Tsutsumi M. Nutrition and exercise in the management of liver cirrhosis. World J Gastroenterol 2014: 20: 7286-7297.
2- Hayashi F, Matsumoto Y, Momoki C, Yuikawa M, Okada G, Hamakawa E, Kawamura E, Hagihara A, Toyama M, Fujii H, Kobayashi S, Iwai S, Morikawa H, Enomoto M, Tamori A, Kawada N, Habu D. Physical inactivity and insufficient dietary intake are associated with the frequency of sarcopenia in patients with compensated viral liver cirrhosis. Hepatology Research 2013; 43: 1264–1275.
3- Michel JP, Rolland Y, Schneider SM, Topinková E, Vandewoude M, Zamboni M. Sarcopenia: European consensus on definition and diagnosis: Report of the European Working Group on Sarcopenia in Older People. Age Ageing 2010; 39: 412-423.
4- Montano Loza, AJ. Clinical relevance of sarcopenia in patients with cirrhosis. World J Gastroenterol 2014; 20: 8061-8071.
5- Englesbe MJ, Patel SP, He K, Lynch RJ, Schaubel DE, Har- baugh C, Holcombe SA, Wang SC, Segev DL, Sonnenday CJ. Sarcopenia and mortality after liver transplantation. J Am 
 Coll Surg 2010; 211: 271-278.
6- George AS, Bauman A, Johnston A, Farrell G, Chey T, George J. Independent Effects of Physical Activity in Patients with Nonalcoholic Fatty Liver Disease. Hepatology 2009; 50:68-76.
7- Zelber-Sagi S, Busch A, Yeshua H, Vaisman N, Webb M, Harari G, el al. Effect of resistance training on non-alcoholic fatty-liver disease a randomized-clinical trial. World J Gastroenterol 2014; 20: 4382-92.
8- Mann S, Beedie C, Jimenez A. Differential effects of aerobic exercise, resistance training and combined exercise modalities on cholesterol and the lipid profile: review, synthesis and recommendations. Sports Med 2014; 44: 211-21.
9- Hannah WN & Harrison SA. Effect of Weight Loss, Diet, Exercise, and Bariatric Surgery on Nonalcoholic Fatty Liver Disease. Clin Liver Dis 2016; 20:339-350.
10- Rezende RE, Duarte SM, Stefano JT, Roschel H, Gualano B, de Sá Pinto AL, Vezozzo DC, Carrilho FJ, Oliveira CP. Randomized clinical trial: benefits of aerobic physical activity for 24 weeks in postmenopausal women with nonalcoholic fatty liver disease. Menopause 2016; 23:876-83.
11- Brustia R, Savier E, Scatton O. Physical exercise in cirrhotic patients: Towards prehabilitation on waiting list for liver transplantation. A systematic review and meta-analysis. Clin Res Hepatol Gastroenterol 2018; 42, 205—215.
12- Howley ET, Bassett DR Jr, Welch HG. Criteria for maximal oxygen uptake: review and commentary. Med Sci Sports Exerc. 1995; 27:1292-301
13- Anand AC. Nutrition and Muscle in Cirrhosis. J Clin Exp Hepatol 2017; 7: 340-357.
14- Dasarathy D & Merli M. Sarcopenia from mechanism to diagnosis and treatment in liver disease. J Hepatol 2016; 65: 1232–1244
15- EASL Clinical Practice Guidelines on nutrition in chronic liver disease. J hepatol 2018; in press.
16- Sinclair M, Grossmann M, Hoermann R, Angus PW, Gow PJ. Testosterone therapy increases muscle mass in men with cirrhosis and low testosterone: a randomised controlled trial. J Hepatol 2016; 65:906–913.

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